Crítica | Streaming e VoD

Felicidade para Principiantes

Lemas para ser feliz

(Happiness for Begginers , EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia romântica
  • Direção: Vicky Wight
  • Roteiro: Vicky Wight
  • Elenco: Ellie Kemper, Luke Grimes, Nico Santos, Ben Cook, Shayvawn Webster, Alexander Koch, Esteban Bonito, Julia Shiplett, Gus Birney, Blythe Danner
  • Duração: 100 minutos

Sem meias palavras, até a metade de sua duração, não é que Felicidade para Principiantes seja menos bom: ele é ruim de fato, eu diria até com poucas chances de ser salvo. Baseado em um livro de Katherine Center de 2015 que eu acredito ter sido um grande sucesso (afinal, foi adaptado e tem toda pinta de ser um daqueles sucessos de auto ajuda), o filme que acaba de estrear com sucesso na Netflix não tem muita chances de deixar de ser comparado a uma infeliz ‘sessão da tarde’ do anos 90. Não estou falando das boas, mas daquelas entressafras televisivas estadunidenses ‘feita para tv a cabo’ da época, absolutamente dispensáveis e previsíveis. Ok, talvez isso até ainda seja, mas tem uma cena em particular do filme, onde o título se justifica depois de um diálogo em grupo; algo ali acontece, e mesmo que não melhore, os corações mais assumidamente bregas começam a se identificar – me entreguei. 

Vou dizer até que a roteirista e diretora Vicky Wight está em evolução, porque ela vem de O Marido Perdido – que não tem segunda parte e breguice bonitinha que o livre. Aqui, a moça conta com a Unbreakable Kimmy Schmidt Ellie Kemper como protagonista, e eu nem sei necessariamente o quanto isso ajuda ou atrapalha, porque a protagonista é um osso bem duro de roer. Um daqueles tipos que tem uma resposta pronta para tudo, sempre espirituosamente amarga, de um baixo astral disfarçado de auto depreciação singular, é bem difícil torcer pela felicidade de Helen. Principalmente percebendo a quem ela está destinada a se envolver, sendo Jake um cara tão absurdamente ideal para qualquer ser vivo, e Luke Grimes o constrói com o máximo de carisma possível. Simplesmente não dá.

Além dessas inclinações absolutamente pessoais, Felicidade para Principiantes tem ao menos um erro de construção de continuidade difícil de compreender e aceitar (por mais que reparar esse tipo de coisa seja uma bobagem). Jake, literalmente de um dia para o outro, aparece com barba e bigode bem cultivados, e isso é bem incômodo, mas ok, não faltam problemas no filme. A começar por seu desleixo visual; um filme que é dedicado 75% dele a ser ambientado em um ambiente bucólico florestal, e ser filmado da maneira mais burocrática possível, quando inclusive em determinado momento é destacado como tal lugar foi definidor para a salvação de um personagem, isso sim é imperdoável. Wight está simplesmente contando sua história sem qualquer capricho, é texto e vida que segue. 

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O bando de personagens em cena são extremamente atraentes, cada um deles tem uma personalidade muito estruturada pelo desenho que provavelmente é feito já no livro, e cada ator se entrega a eles com muita vontade de promover o melhor para a narrativa. Talvez por isso mesmo seja tão frustrante observar que o todo de Felicidade para Principiantes seja tão desconectado emocionalmente deles, e do que fazer com cada um deles. Acho que o melhor que poderíamos dizer a respeito desses personagens é que seria muito agradável assistir a um filme tendo cada um deles como protagonistas, com suas fissuras e seus atores tão à vontade. Que Wight veja isso acontecer e não se preocupe em tornar seu entrecho superior é triste e mostra que grande parte dos profissionais procura a Netflix para descontar um cheque, e apenas isso. 

Ao mesmo tempo, é também graças a algo inerente à direção dela que o filme se aproxima do espectador com tanto carinho. Se alguém lembra da clássica cena com Keira Knightley e as cartolinas em Simplesmente Amor, tenho a dizer que algo parecido de intensidade acontece em Felicidade para Principiantes. O personagem Jake é muito mais profundo do que nos aparenta já de cara, e vêm da carência própria dele o tanto de afeto que o filme vai desenvolvendo, a ponto de nenhum outro final ser possível, embora eu tenha certeza de que Jake merecia coisa melhor. No fim das contas, estamos devidamente envolvidos com o que está sendo desfiado na tela, ou seja, aconselho a dar uma chance até o fim do filme, porque o sucesso que ele está fazendo acaba por se justificar. 

Dito isso tudo, é complexo se envolver demais com uma produção a ponto de pensar mais em um momento que estamos vivendo do que exatamente estamos acompanhando. Olhar para quais são exatamente nossos desejos, compreender o que queremos da nossa vida pessoal e colocar em prática o lema de Windy são um sinal de evolução emocional e espiritual. Não, Felicidade para Principiantes não merece qualquer mérito em relação à auto análise, mas deixa alguns recados valiosos nas suas entrelinhas, e em relação ao entretenimento enquanto indústria, o mais importante seja: preste atenção ao que acontece ao seu redor. Seria um bom lema para tanto Helen quanto Vicky ouvirem.

Um grande momento

A roda da tese

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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