Crítica | CinemaDestaque

Rivais

Radiografia do tesão

(Challengers , EUA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Romance
  • Direção: Luca Guadagnino
  • Roteiro: Justin Kuritzkes
  • Elenco: Zendaya, Josh O'Connor, Mike Faist, Nada Despotovich, A.J. Lister
  • Duração: 126 minutos

Se tem algo que não podemos dizer de Luca Guadagnino, é que lhe falte energia. Dessas que saltam da tela, e transmitem exatamente o que a obra em questão deseja, ele tem tido não apenas frequência de qualidade nas entregas, como também uma diferenciação temática e estética nas obras. O que as une é exatamente essa brasa incandescente que ele enxerga e extrai do material que está filmando, seja um remake de um filme de terror (Suspiria), um romance gay cheirando a Eric Rohmer (Me Chame pelo seu Nome) ou uma melancólica história de amor entre canibais (Até os Ossos). Não lhe faltam tiros a dar, mas ele nunca deixa de exalar paixão em seus projetos, e em Rivais esse elemento é retirado de seu DNA e impresso na tela, segundo a segundo. 

A começar pela escalação do elenco, Rivais é feliz para onde aponta. O trio protagonista é formado não apenas por pessoas muito talentosas, como por figuras ecléticas em seu ‘physique’ e no que apresentam de material humano, além de profissionais distintos. Vejam a dupla masculina, formada por Josh O’Connor (de Emma) e Mike Faist (de Amor, Sublime Amor); o primeiro tem feições mediterrâneas, é uma figura abrutalhada de cabelos escuros e encaracolados, enquanto o segundo é loiro de traços clássicos, menos encorpado, quase feminino em sua composição. São dois homens quase opostos em tudo, e a composição dos meninos segue essa regra – são complementares no que produzem de testosterona e abarcam duas visões diferentes do masculino. Zendaya (de Duna) é uma jovem mulher negra de traços muito delicados, uma beleza refrescante e moderna, que é vista em duas composições distintas, em separações temporais quase radicais. 

Do encontro entre essas três figuras, no qual acompanhamos durante 13 anos uma relação que possui todos os elementos de fascínio, nasce a necessidade de falar sobre um trabalho constante de manutenção do desejo. Não é difícil que isso seja construído visualmente; descrevi acima características físicas dos atores, e o tanto de emocional entre eles é criado a partir do talento dos três. Mas Guadagnino não estava fazendo essencialmente um filme de atores e texto, uma peça de câmara que podia ser traduzida para o teatro, embora o elenco seja o mais reduzido possível. Rivais não é desprovido de condução criativa de sua direção, o que a essa altura do que o conhecemos, nem se classifique como um espanto. Talvez ele conseguir transformar o tênis em uma máquina incandescente de tesão, o seja. 

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E é isso o que de mais genuíno é alcançado pela produção, nos fazer acreditar de maneira irrevogável de que aquelas três pessoas não somente funcionam muito bem juntas, como morrem de tesão uns pelos outros – assim mesmo, no coletivo indiscriminado. Através de uma narrativa bifurcada, separada no tempo por três momentos distintos, Rivais nos faz compreender a dinâmica que pode surgir a partir de um casal já existente quando um novo elemento chega para uni-los, e eles não compreendem isso imediatamente. Esse trisal precisará dos tais 13 anos já descritos para assimilar o que está muito evidente desde seu primeiro encontro, que Guadagnino filma sempre com um misto de leveza e lascívia, quase declarando que tudo que é natural e delicioso deve ser aproveitado até a última gota. 

O diretor consegue, mais uma vez, realizar um trabalho de forte carnalidade, como têm sido toda sua filmografia, encontros frontais com o desejo e a dinâmica que é assumida pelos corpos à disposição. Isso já estava em sua estreia, 100 Escovadas Antes de Dormir, e é outro elemento a criar uma linha de conexão entre a sua obra. Ainda que fale sobre pulsão de morte como em Um Mergulho no Passado ou Até os Ossos, suas imagens propõem o encantamento incontrolável pelo que se deseja, em uma entrega que ele filma de maneira febril. Rivais reafirma essa busca, e talvez nunca tenha sido tão explícita a forma como ele provoca a plateia a embarcar na mesma jornada, dividindo com quem assiste tudo que é oferecido pela tela. 

De uma maneira muito tátil, graças aos seus esforços e aos do seu elenco, poucas vezes uma passagem do tempo foi tão sentida. O esplendor da juventude, que nunca nos promete que seria diferente daquela erupção que vivemos no período, seguindo a transformação dos rostos na imagens de todas as ausências vividas. São momentos do afastamento, que o filme segue de maneira breve, mas que são suficientes para mostrar como Tashi, Art e Patrick não apenas funcionam muito melhor juntos, mas só fazem sentido dessa forma. Mais uma vez, o trabalho de Sayombhu Mukdeeprom na fotografia realça tudo o que Guadagnino descreve, em momentos muito pulsantes tanto de sua frieza quanto das labaredas que o reencontro representa ao trio.

Guadagnino entrega ao espectador, em Rivais, algumas certezas. A primeira é que em sã consciência, ninguém assistiria mais jogos de tênis, porque ninguém voltará a filmá-los como ele – com a vibração, a pirotecnia, o assombro sexual. A segunda é de que sua filmografia continua tão impecável que nos dá cada vez mais medo dos próximos passos, porque ninguém é infalível – e Queer já estreia esse ano. A terceira, e mais impressionante, é o que ele faz por Zendaya, do qual ela retribui de maneira soberba. Fixado em seu rosto, Guadagnino mostra como poucos uma passagem de tempo relativamente curta, e ainda assim o quão ela pode ser destrutiva para alguém. O que a jovem atriz compõe aqui não está apenas no campo estético, mas principalmente no que é elaborado pelo emocional. Está na constituição corporal, por baixo da superfície da pele que esconde o que não é bonito: a passagem do tempo, a chegada da decepção, o fim de uma juventude onde tudo parecia possível e eterno. Sua capacidade é inteiramente aprofundada no último plano do filme, que nos carrega de volta para a verdadeira Tashi, uma explosão literal. 

Um grande momento

No quarto – sim, é essa cena mesmo que você está pensando

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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