Crítica | Cinema

Bem-vinda, Violeta!

Riscos assumidos

(Bem-vinda, Violeta!, BRA, ARG, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Suspense
  • Direção: Fernando Fraiha
  • Roteiro: Fernando Fraiha, Inés Bortagaray
  • Elenco: Débora Falabella, Darío Grandinetti, German de Silva, Pablo Sigal, Maria Ucedo, Mariano Sayavedra, Jenny Moule, Freddy Johnson
  • Duração: 106 minutos

Pretensão – conceito exagerado de si mesmo; vaidade exagerada; presunção. Assim é definido o verbete no dicionário, em avaliação cirúrgica sobre uma colocação que não se costuma invejar. Quando atrelado a um projeto artístico, a ideia não costuma ser a do elogio por parte do interlocutor. Particularmente, não acho a pretensão um problema per se; o complexo é definir o que fazer com a mesma. Se você equaliza bem sua pretensão, e consegue realizar o que suas intenções vislumbram, essa pretensão pode até ser encarada como benéfica, já que te levou a algum lugar. Não é o caso de Bem-vinda, Violeta!, estreia dessa semana nos cinemas que mergulha fundo no conceito e na vaidade exagerados, com a convicção de uma elaboração muito profunda. 

Fernando Fraiha é diretor dessa adaptação de um romance de Daniel Galera, e sua experiência com a comédia rendeu o ótimo La Vingança, além de ser um dos responsáveis pelo essencial quadro de humor Choque de Cultura, que começou na internet e hoje reside no Canal Brasil. Terminando de preparar Chico Bento, Fraiha vai para um lugar novo em sua filmografia e consegue, a princípio, elaborar uma crescente onda de desespero ao que está filmando, pela forma claustrofóbica que vai dando ao espaço cênico – que não é exíguo. Existe então essa inteligência autoral, de mostrar espaços muito amplos, tanto internos quanto externos, e tornar a experiência do espectador cada vez mais incômoda e restrita. 

Bem-vinda, Violeta!
Divulgação

Nesse sentido, é verdadeiramente pesaroso acompanhar o desenrolar de Ana, a criadora da Violeta do título. Isolada em um ambiente de construção autoral, onde se junta a outro grupo de escritores para entabular um processo criativo pouco ortodoxo, a protagonista de Bem-vinda, Violeta! se vê cercada de uma atmosfera que a compele tanto quanto a seus companheiros de escrita, e embarcar em uma jornada de perda de identidade. Como se para existir uma obra, o autor precisasse desaparecer debaixo de suas camadas. Essa sem dúvida é uma discussão bastante pertinente e engloba qualquer tipo de atividade artística, e não poderia ser mais atual, nesses tempos de meme com Lady GaGa e sua dinâmica de “possessão”; bom informar que ela não é a inventora desses métodos. 

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Formado por um grupo conciso de atores, um dos pecados de Bem-vinda, Violeta! é o de não conseguir nos fazer mergulhar na intensidade de cada um desses processos que o filme esquadrinha. Apesar de ter uma protagonista, somos apresentados a cada um desses indivíduos, o filme tem interesse imagético por eles, o elenco demonstra absoluto domínio do que precisa ser apresentado em matéria de dinâmica coletiva e também particular, mas há pouco mergulho no que essas pessoas estão desenvolvendo ali, enquanto personagens. Isso diminui as possibilidades de identificação com a estrutura dramática, tendo em vista o pouco tempo dedicado a quem não seja Debora Falabella e Darío Grandinetti, embora seus atores estejam em clara combustão pronta para acontecer. 

Divulgação Bem-vinda, Violeta!

Isso denota um mínimo de desperdício com o material humano apresentado e exposto, de qualidades óbvias. Um ator super discreto como Pablo Sigal, por exemplo, nunca deixa de estar absolutamente internalizado em seu personagem, e o último ato do filme é dedicado a ele, mas ele é o exemplo perfeito do que estou falando; a substância que seu tipo tem, fica obscurecida pelo todo. Mariano Sayevedra tem um conflito que tenta explodir a todo momento, e o filme não parece muito disposto a se dedicar a ele mais tempo do que poderia. Talvez fosse o caso de Bem-vinda, Violeta! ser melhor aproveitada como uma minissérie; o filme já é dividido em capítulos, e no fundo, não conseguimos absorver o suficiente de nada do que está em cena. Parecem borrões que cercam Ana e precisam dela para ter suas histórias minimamente disponibilizadas. 

Isso não atrapalha o fluxo dos protagonistas, e Falabella e Grandinetti realizam seus trabalhos da melhor maneira possível, saem ilesos do quadro. Mas a despeito do clima de tensão beirando o terror que consegue ser instalado, da luz de Gustavo Hadba mais uma vez inspirada, e desse elenco que tenta desesperadamente ter voz e consegue mostrar sua personalidade por frestas, Bem-vinda, Violeta! fica mais tempo no ‘quase’ que no concreto. São tentativas constantes de chegar a algum lugar mais elevado, menos pueril, e o esforço é perceptível para notar que os envolvidos acreditam ter chegado em lugar superior; não foi o bastante. Faltou encorpar ainda mais seus elementos para que as pretensões do projeto fossem além da palavra e alcançasse o patamar que se acredita ter conseguido. 

Um grande momento

Ana passeia com o colchão

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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