Cinema em linhas

Precisa-se de noção

A falta de noção nos cinemas é um assunto tão variado e tão vasto que seria suficiente para alimentar uma coluna diária só com causos que acontecem nas inúmeras salas desse nosso Brasil. Os temas poderiam variar entre conversas, uso de telefone celular para as mais variadas finalidades, não saber onde colocar as pernas e por aí vai. É tanta coisa que a gente até se esquece na hora de enumerar, ou seja, precisa-se de noção, urgentemente!

Hoje vou relatar mais uma. Dia de filme pipoca, lá vou eu pro cinema com o Rodrigo assistir ao filme Victor Frankenstein (evitem, se puderem!). Estávamos lá no meio do filme e a sensação de “estamos de saco cheio de ver isso” pairava fortemente no ar, mas até que o pessoal da sessão – lotada – era bem comportado. Poucas conversas, sem luzes de celulares acendendo para todo lado. Isso em filme ruim é uma coisa quase inédita. Parabéns, portanto, a todos aqueles que estiveram na sessão de 20h50 no Iguatemi de Brasília na última sexta-feira.

Mas prossigamos com a história. Estava lá o climão de “e aí?” pairando no ar quando um telefone toca. Prontamente a dona do telefone, que estava a uma cadeira de distância de mim, pega o celular e não titubeia. Ainda que falando baixinho, lá veio o “alô”. Sério, tive pena do cara que estava com ela. Sabe aquela vergonha que a gente sente pelo outro? Te entendo, amigo, me solidarizo! Pois é.

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Não satisfeita em atender o telefone, ela resolveu que ia sair da sala e se levantou. Mas, no meio do caminho, resolveu deixar a bolsa na cadeira. E foi aquele sobe e desce, levanta e agacha. Isso tudo continuando a conversa. Ainda pensei que era bom isso tudo ter acontecido em um filme ruim, porque se fosse bom, ia ser uma confusão sem fim e já era o filme de todo mundo. Mas, atenção, não existe filme ruim que justifique uma falta de noção dessas no cinema, por favor.

Sei que no meio dessa confusão, o cara ao meu lado já não podia mais se encolher na cadeira, de tão encolhido que estava, coitado. E ela lá indecisa, agachada no meio da fileira. A impressão que eu tive é de que a pessoa do outro lado falava: “você está louca? Vai lá ver o filme, deve estar atrapalhando todo mundo!”. Então ela desligou e sentou de novo.

Não satisfeita por ter chamado atenção de metade da sala, resolveu contar para o companheiro que era algo sobre alguma festa e ficava repetindo: “a festa, sabe?” Ele tentava interromper: “tá, vamos ver o filme”. E ela insistia: “a festa da fulana!”

Ele parou de responder e ela parou de falar. Mas aí resolveu deixar o moço ver o filme e resolveu conversar com o mundo todo pelo Whatsapp. Deu uma escondida no aparelho entre o colo e a bolsa e começou.

Aviso importante! Pessoas queridas desse meu Brasil, não adianta nada fazer isso! NADA! Estamos em uma sala escura, qualquer luz que você acenda e consiga enxergar, a menos que esteja em uma cabana, vai atrapalhar todo mundo. Pois é, a luz vaza, veja você! E pode ser rapidinho para ver as horas ou demoradinho para conversar sobre a festa da fulana. Então, se não está gostando do filme, pode sair da sala. Se quer conversar e ver o filme, espere acabar.

Pois bem, esse ainda não é o fim da história. Lá pelas tantas, no meio do filme, depois que eu tinha feito uma barreira com o braço para não ficar vendo a luz da moça, ela vira pro cara e pergunta: “por que jogaram ele n’água?”. Dava pra sentir a vergonha na resposta seca dele: “porque ele sabia demais!”. Pra piorar, ela continuou: “E o outro?”. O outro, minha gente, era só o protagonista. Ou seja, o que diabos ela estava fazendo ali dentro? Qual é a lógica, minha gente?

Cinema está caro e não deixou de ser uma atividade coletiva porque você poderia estar assistindo aquele filme no conforto da sua casa. As regras sociais, aquelas mesmo que pregam que o seu direto acaba quando começa o dos outros, seguem valendo como sempre. Existem pessoas na sala com você, que querem ver o filme e não a luz do seu celular, que querem ouvir os personagens e não as suas histórias ou teorias sobre a trama.

Vamos respeitar os coleguinhas, né?

#ameocinema

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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