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Natimorto

(Natimorto, BRA, Ano)

Festival do Rio 2009Quem achava o ambiente do antiquário criado por Lourenço Mutarelli em O Cheiro do Ralo estranho, vai precisar rever os seus conceitos depois de conhecer o quarto de hotel onde o casal de Natimorto resolve passar os dias conversando e fumando.

Talvez, como no primeiro caso, nem seja o lugar em si, mas a aura criada pelo estranho casal, formado por um caça-talentos contador de histórias assexuado e uma cantora recém chegada na cidade, suas nuvens de fumaça e a taromancia praticada com as figuras que ilustram o verso dos maços de cigarro.

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Baseado no livro homônimo de Lourenço Mutarelli, também autor de O Cheiro…, o filme é uma metáfora deliciosa sobre todos os relacionamentos e a loucura, literal no caso, de tentar viver junto com alguém que não seja si próprio. Encantamento, dedicação, dependência, ciúme, falta de espaço, espera, frustração, cansaço, raiva e obsessão são claras referências às etapas de uma experiência a dois.

Com um roteiro afinado, cheio de diálogos de impacto e muitas entrelinhas a serem lidas e preenchidas pelo espectador, o longa tem um bom ritmo e consegue despertar a curiosidade de quem o assiste, embora incomode alguns e chegue a cansar em alguns momentos.

Simone Spoladore está maravilhosa como a cantora e consegue mesclar bem a inocência e a liberdade de sua personagem, além de estar sempre linda em cena. Seu companheiro, Mutarelli, depois de sua participação em O Cheiro do Ralo e outras tentativas, é sem dúvida quem mais conhece a figura estranha que interpreta mas, apesar de muitos bons momentos, não consegue demonstrar segurança sempre.

A direção de Paulo Machline sabe como ser permissiva e exigente ao mesmo tempo e conduz bem a diferença entre estes dois atores de carreira tão diferentes. Além de se aproveitar muito bem de uma outra participação que merece ser citada, ainda que não seja tão grande: a de Betty Gofman como a ex-esposa surtada.

A fotografia do filme de Lio Mendes da Rocha, perfeitamente granulada, segue a trilha da loucura do protagonista e chama a atenção com as brincadeiras com luzes, sombras e cores, sem falar nas brincadeiras com as próprias cartas de tarô. Junto com a imagem, a trilha sonora de Érico Theobaldo é fundamental para criar aquele ambiente tão surreal.

É sempre bom ver um bom texto, com boas atuações, a arte privilegiada e o apuro técnico associados a uma mensagem interessante. E, por mais que dê trabalho entrar na viagem de Machline e Mutarelli, vale o valor da passagem.

Para ser visto e digerido posteriormente. Quem não gosta de nonsense deve manter uma distância segura.

Um Grande MomentoA situação que o “diabo” desencadeia.

Drama
Direção: Paulo Machline
Elenco: Simone Spoladore, Lourenço Mutarelli, Betty Gofman
Roteiro: Lourenço Mutarelli (livro), André Pinho
Duração: 92 min.
Minha nota: 8/10

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
3 Comentários
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Vinícius P.
Vinícius P.
04/10/2009 03:27

Parece que foi um dos que mais te agradou desse Festival até agora, não? Geralmente gosto desses filmes nacionais diferenciados, sem falar que a Spoladore é ótima.

Wally
Wally
03/10/2009 12:37

Costumo gostar de nonsense. Talvez este aí funcione comigo.

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