Crítica | Streaming e VoD

O Entregador

O destino de um asno

(El Correo , ESP, BEL, FRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Policial, Drama
  • Direção: Daniel Calparsoro
  • Roteiro: Patxi Amezcua, Alejo Flah
  • Elenco: Arón Piper, Luis Tosar, María Pedraza, Laura Sepul, Nourdin Batan, José Manuel Poga, Luis Zahera, Stefan Weinert, Manuel Gancedo, Alberto Jo Lee
  • Duração: 98 minutos

O Entregador estreou em janeiro nos cinemas espanhois, e agora a Netflix disponibiliza o filme para apreciação em todo o mundo. Ainda que tenha sido bem recebido em seu país local, o filme não passa de algo que já vimos feito muitas vezes, e de nada adianta que a história contada aqui tenha laços verídicos. Tudo corre de maneira burocrática e esperada, ainda que não seja necessariamente um desenvolvimento aborrecido; já sabermos todo o esquema que o filme apresenta não tira nosso interesse dele. Em sua realização estão impressas muitas das estratégias que constituem um filme de ação agradável, um thriller que se assiste com um olhar de curiosidade. Infelizmente, tudo o que é apresentado já foi visto antes, e nenhuma tentativa de reviravolta é tentada, nem mesmo estética.

O filme é dirigido por Daniel Calparsoro, de Centauro, um filme quase idêntico a esse aqui, ao menos em seu ponto de partida. Nos dois títulos, seus protagonistas precisam se envolver em um plano que ultrapassa por países distintos matérias oriundas de uma certa criminalidade da qual tentaram se esquivar por toda a vida. Em ambos os filmes, suas múltiplas formas de corrupção seguem tornando o protagonista cada vez mais envolvido em suas tarefas. Em O Entregador, há a diferença da ambição desmedida de Iván, que o transforma cada vez mais. Ainda assim, são dois exemplares de cinema muito idênticos em sua forma, concebidos de maneiras distintas em suas tentativas de não perder nenhum espectador. 

Quando cito nenhum espectador, é bom deixar claro quem a produção está procurando essencialmente. Quem olhou a ficha técnica de O Entregador e chutou “o público que fez o sucesso de Elite e La Casa de Papel”, acertou. Os protagonistas do filme estão no elenco das séries de imenso sucesso, e a multidão de fãs desses trabalhos devem estar em peso entre o grupo que colocou o filme como o mais assistido na Netflix nos últimos dias. São séries onde igualmente os clichês que cabem a cada gênero estão em profusão, mas ambas tem algo que falta aqui: charme. Não é tentado nenhum movimento pela direção ou pelo roteiro que entregue ao espectador um resquício, que seja, de atração, para longe das emoções baratas que apresenta. 

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Ao público que não procurar nada de muito relevante na próxima exibição, O Entregador pode ser uma pedida sadia em meio ao catálogo interminável da Netflix. Ao restante, a produção deixa a desejar pelo que ele oferece, já ofertado antes infinitas vezes, até tornar-se completamente irrelevante. É a história do jovem ambicioso e mal nascido, que luta com unhas e dentes para conseguir um lugar ao sol da maneira mais fácil possível. Daqueles que passam o filme todo xingando os parceiros, quando realiza tantas atrocidades quanto os outros; engana, trapaceia, mente, rouba, só assassinato ele fica devendo de realizar. Todo o resto, inclusive se deixar levar por oportunidades claramente erradas, Iván faz com requintes de ignorância – entenda, é impossível ter quaisquer sentimentos pelo protagonista além de desprezo e asco. 

Para um personagem como esse, é necessário um Daniel Day-Lewis, uma Adriana Esteves, uma Cate Blanchett, para nos convencer de que tais feitos são motivados por algo mais multifacetado que uma ganância vazia. Os fãs de Elite que me perdoem (ou não), mas Arón Piper aqui não demonstra ter sequer carisma, que dirá talento. E essa é a principal pedra no sapato do filme, já que em nenhum momento o espectador torce – sim, trata-se de um projeto melodramático desses onde precisamos torcer ou não por alguém – pelo tipo central. Pelo contrário, a motivação de quem se joga em O Entregador é não desligar o streaming enquanto o personagem não pagar (de preferência com requintes de dor) todas as sacanagens que aprontou. É um destino para onde o espectador tem seu desejo mais recôndito apenas parcialmente aplacado. 

Atores como Luis Tosar (um dos maiores da Espanha) e Laura Sepul tem que segurar o que podem na produção, e mesmo o novato Nourdin Batan é uma figura que chama a atenção desde a primeira aparição. Enquanto isso, o ridículo bigode falso de Piper durante boa parte de O Entregador só o deixa ainda mais refém de elementos que, ele pode até possuir, mas que a falta de maturidade não o deixou alcançar aqui. Aliado a uma das piores dicções de uma narração em off que eu já tenha visto, a trama sobre a quebra da bolha imobiliária na Espanha com um roteiro problemático sem qualquer aprofundamento sobre seu momento político, deixará poucas lembranças; todas elas, atreladas a momentos nada memoráveis.

Um grande momento

Os policiais batem em Iván (e a torcida explode de felicidade)

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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