Crítica | Festival

The Persian Version

(The Persian Version, EUA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Comédia
  • Direção: Maryam Keshavarz
  • Roteiro: Maryam Keshavarz
  • Elenco: Layla Mohammadi, Niousha Noor, Bijan Daneshmand, Bella Warda, Jerry Habibi, Arty Froushan, Tom Byrne, Reza Diako, Parsa Kaffash, Mia Foo, Andrew Malik, Parmida Vand
  • Duração: 107 minutos

Uma história dividida em duas realidades muito diferentes. Leila é filha de iranianos, mas foi criada nos Estados Unidos. Sempre voltando ao país dos pais depois de instalado o regime, descobriu o que era ser uma outsider. The Persian Version, filme semiautobiográfico de Maryam Keshavarz, aposta na montagem espertinha, cheia de cores, grafismos e efeitos para mostrar a disputa, as diferenças culturais e todo o preconceito que envolve a relação entre os dois lugares. As discrepâncias de fé, na ciência, na política e nas armas, e o comportamento desde os primeiros anos de vida, “você cheira a terrorista”, “você cheira a imperialista”, definem bem.

Leila fala do quanto de Irã carrega com ela, parando para explicar à audiência mitologias que não são conhecidas no Ocidente e mostrando o que daqui, em seus contrabandos, faz a cabeça das amigas de lá. Porém, o filme fala também de coisas mais universais, como a desilusão amorosa e a dificuldade de aceitar o fim de um relacionamento; e a difícil relação com a mãe, uma mulher que não entende a orientação sexual da filha e deposita expectativas outras que jamais se concretizarão porque são muito mais frustrações dela do que de qualquer outra pessoa. Além disso, há toda uma conexão com a gigantesca e diversa família que passou por momentos de muita dificuldade até se estabilizar.

Sem nunca se afastar do humor e fortalecendo o vínculo entre a protagonista e o público, Keshavarz se aprofunda na ligação entre mãe e filha, num trabalho de descoberta e compreensão. Passeando no tempo, com a ajuda de personagens secundários, The Persian Version vai apresentando o passado da família, as consequências do regime em suas vidas e o motivo de sua mudança para os Estados Unidos. Paralelamente, Shireen, a mãe, vai se desenhando e se transformando. Sentimentos escondidos e contraditórios se revelam, embora não sejam suficientes para mudar a relação.

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A culpa é da mãe

É interessante como o longa, em meio a tanto humor e seguindo em um ritmo tão frenético, consiga encontrar a identificação ao tocar em um ponto inescapável das relações. Não será fácil achar alguém com a história de vida de Shireen, seu casamento, os tantos filhos e o modo como contornou a falta de dinheiro ao enxergar a oportunidade imobiliária com imigrantes assim como ela, mas aquilo que ela vive com Leila é muito próximo de outras tantas relações onde o conflito e a admiração caminham lado a lado, e a ruptura e a reconciliação são passos inescapáveis.

The Persian Version tem reviravoltas inesperadas que desviam desse mote sem exatamente fugir dele, reforçando ligações. Entre casamentos e encontros casuais, embaralha convenções e reafirma o sentido de família. São novos “escândalos” que surgem reconfigurados, mais pessoais e modificados pela passagem do tempo e pelas mudanças da sociedade. Se em muitos desses momentos Keshavarz faz rir, em outros ela se permite escorregar pelo melodrama, sem se demorar ali, mas trazendo uma comunhão compreensiva que dá um novo tom ao filme.

Equilibrado e bem amarrado, o longa é uma deliciosa aventura de descoberta pessoal que une família, política e coração, fazendo rir e emocionando quem o assiste. Com muitas cores, informações conhecidas e outras nem tanto assim, momentos identificáveis e outros nem tanto assim, faz um mosaico curioso que fala do sentimento de pertencimento, homenageia a quem de direito, cura feridas de quem realiza e demonstra que muito ali também pode ser universal.

Um grande momento
Na sala de parto

[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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