Crítica | Festival

Receba!

Entregando competência

(Receba!, BRA, 2021)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Pedro Perazzo e Rodrigo Luna
  • Roteiro: Pedro Perazzo
  • Elenco: Edvana Carvalho, Daniel Farias, Jackson Costa, Evelin Buchegger, Leandro Villa, Narcival Rubens, Lúcio Tranchesi, Tânia Toko, Fábio Osório
  • Duração: 84 minutos

A sensação de entrar em uma sessão de cinema em um festival sem saber nada a respeito de um filme e dar de cara com algo como ‘Receba!’ é verdadeiramente indescritível. Tem algo de desobediência, e ao mesmo tempo de inquietação, de um ousado atrevimento e também de uma refrescância singular – isso tudo para dizer que também vale atribuir tais conceitos para o que o próprio longa trás, uma produção baiana rica em intenções e que acaba acertando grande parte dos seus alvos com uma certa aura de inocência, e em paralelo a isso diz a plenos pulmões que o cinema de autor está vivo e que não precisa contemplar apenas o experimentalismo, ou o drama introspectivo.

A experimentação aqui vem de um furor de querer mostrar serviço em áreas pouco dominadas por aqui, pouco acessadas, mas que podem ser acessadas por outras áreas do entendimento cinematográfico. Não é como se juntassem inúmeras referências ao mesmo tempo para construir algo, mas entender o que funciona agrupado e extrair o melhor de seus elementos. Em cada nova curva proposta pela produção, identificamos as inspirações de sua autoralidade e onde o filme pretende chegar. Então não tem muito propósito em elencar o que pode dizer a cada nova cena, basta saber que Hitchcock, Takeshi Kitano e o bom e velho Tarantino passeiam por aqui; a diversão é descobrir o que ele apanhou de quem, pra constituir brasilidade ao todo.

Porque acima de tudo, ‘Receba!’ têm DNA nosso claramente identificável. Das ruas baianas ao sotaque, das motivações de cada personagem mais ou menos justificadas em elipses muito bem utilizadas, do universo psicológico que abriga o longa, da antiquada tendência a um coronelismo aqui modernizado até os desejos de cada tipo em cena, embalados por sentimentos muito sutilmente construídos, o roteiro apresenta um campo ilimitado de possibilidades que cada um formata para uma função específica. Em cada relação apresentada, principalmente as que foram estabelecidas no extra-filme, a produção não tarda em acrescentar camadas que complexifica cada um dos personagens.

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A dupla de diretores Pedro Perazzo e Rodrigo Luna já tinham estado juntos em um curta-metragem antes, mas estreiam em longa de maneira bastante promissora. Perazzo, também roteirista a partir do romance de Ana Paula Maia, já tinha estado na função de ‘Homem Livre’, e aqui consegue explorar junto com seu parceiro um lugar de invenção dentro de uma seara menos óbvia, com resultados surpreendentes. Com criação de planos inteligentes (como a que mostra Gina em fuga de uma casa depois de um ato de violência, terminado em um retrovisor de carro) e a fotografia de Matheus da Rocha Pereira (de ‘Os Ossos da Saudade’) ampliando o escopo dos espaços, o filme rebusca seu material imageticamente sem parecer pretensioso.

Aliás, nada na produção soa alcançar mais do que suas pernas poderiam, mas também sua simples existência coloca ao menos uma fatia da produção nacional em local menos acomodado. Mesmo o seu olhar para o thriller não é o esperado, mas respeita os códigos sem deixar de criar uma identidade própria dentro de um cenário explorado, porém subvertendo os lugares – a periferia não é a mesma, o ambiente de conflito também não é. Parte então de uma zona mista entre rearranjar os sentidos para algo que vem chegando de sopetão, e também situar o espectador em um ambiente onde o conforto é sistematicamente reconfigurado, até tudo parecer revestido de novo.

Com um elenco coeso que inclui os excelentes Jackson Costa, Narcival Rubens e Evelin Buchegguer, ‘Receba!’ é uma experiência gratificante com uma narrativa esperta e cheia de possibilidades, algumas mais bem aproveitadas que outras, mas que sempre tenta realizar seus intentos da maneira mais elegante possível, além de trazer uma naturalidade que não é comumente visto em exemplares do gênero. Não é algo jamais visto nas estruturas do cinema, mas disposto a fazer com capricho e propondo camadas de profundidade a seus personagens, principalmente os ditos vilões. Ao fim da jornada, os pontos positivos falam muito mais alto. 

Um grande momento

Som muito alto


O crítico viajou ao 25° Cine PE – Festival Audiovisual a convite do evento.

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Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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