Crítica | Outras metragens

Rafameia

Ameaças cotidianas

(Rafameia, BRA, 2020)
Nota  
  • Gênero: Ficção
  • Direção: Mariah Teixeira, Nanda Félix
  • Roteiro: Nanda Félix
  • Elenco: Mariah Teixeira, Daniel Porpino, Thardelly Lima, Susy Lopes, Izadora Nascimento, Buda Lira, Fernanda Ferreira, Gerlena Palmeira, Ingrid Trigueiro, Dhyan Urshita, Omar Brito, Vanessa Lima
  • Duração: 24 minutos

No dicionário, rafameia está definido como “gente de classe baixa; ralé”, e é um termo pouco utilizado no Sudeste. No filme Rafameia, a expressão infla e ganha contornos multifacetados, e a produção vem criar camadas de ambiguidade a situações cotidianas numa crescente catártica. Dirigido por Mariah Teixeira (que também o protagoniza) e Nanda Felix, o filme paraibano planeja dar conta de espalhar sua reflexão por uma série de eventos pelos quais a protagonista Carmen passa e que trafegam por uma zona de insegurança que invadiu as relações humanas, sejam as mais próximas ou as que se desenvolvam em sociedade hoje e que sugestiona uma onda de sufocamento crescente.

Vinda da experiência de direção em Sol Alegria ao lado do pai Tavinho Teixeira, a atriz Mariah parece ainda mais segura de sua posição dupla, como atriz e realizadora. Se já saiu premiada de Brasília há 15 anos atrás com Baixio das Bestas, desde então essa jovem atriz só demonstra destemor a cada novo passo. Esse seu projeto com Nanda é, antes de tudo, corajoso, porque não a coloca num lugar de conforto junto à experimentação, porque a empurra na direção de um naturalismo típico do cinema nordestino do qual ela transita com imensa desenvoltura, uma fonte de qualidade e criatividade aparentemente inesgotável dentro do nosso cenário atual; o que Mariah e Nanda conseguem aqui ao mesmo tempo coloca uma lupa em cima dos caminhos de ambas e as aproxima da melhor cinematografia da atualidade, sem nunca soar uma fotocópia.

Rafameia

A cena retratada no filme reproduz ações de medo social contemporâneo, em especial recorte para a situação feminina diante de momentos cotidianos que as viola ou diminui, quando não os dois, além da espreita da violência de inúmeras ordens que permanecem prestes a ocorrer. É minimamente irônico que, em seu clímax, o filme reserve a Mariah justamente esse lugar à espreita, ainda que num contexto de defesa, mas sempre reproduzindo um dado que não escapa ao feminino talvez desde sempre: a vida eternamente atrelada à possibilidades de perigo, que não cessam mesmo trancada dentro de casa, mesmo em vias virtuais, mesmo quando aparenta estar entre entes queridos. O filme, com extrema sutileza, se encaminha a sussurrar pedidos de ajuda a todo instante, tentando colocar o espectador em clima de constante desconforto.

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O intento das autoras é muito bem alcançado, através de uma mise-en-scène que não auto explora esse desespero mudo, fazendo essa sensação ser amplamente alcançada ao explorar cenários e cenas com elegância e perspicácia. Os métodos utilizados pela dupla poderiam ser comparados aos de um animal paciente diante da presa, o público; da primeira sequência, onde tudo começa de maneira extremamente prosaica, até a última, já completamente absorvida pela desconfiança generalizada, Rafameia observa pessoas que nunca definem muito bem suas intenções, boas ou más, elas nunca serão muito definidas, e isso é benéfico ao filme. Não há um lugar protegido, mas toda segurança é posta na versão das mulheres para cada uma de seus relatos em forma de cenas.

Mariah e Nanda conseguem um entrosamento especial com seu elenco pra contar essas passagens de terror urbano, mas essa compreensão do todo é fácil de conseguir pois se trata de um grupo de pessoas que já trabalharam juntas muitas vezes (incluindo Buda Lira, Suzy Lopes e Thardelly Lima). Apesar de cada um praticamente só ter uma cena – com exceção de Suzy e Mariah, a protagonista – era necessário essa consciência da normalidade geral, porque a ideia do filme é vender um retrato apavorante da vivência de um gênero surrado desde o nascimento, e a qual Rafameia acrescenta tensão extra porém muito viva sobre possíveis momentos reais e atuais, que se alargam do estranhamento até o chegar no ponto do pedido de socorro muitas vezes necessário.

Um grande momento
Sabrina

[9º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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