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Meninas não Choram

Lute como uma garota

(Meninas não Choram, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Comédia, Drama, Romance
  • Direção: Vivianne Jundi
  • Roteiro: Gabriel Almeida, Bryan Ruffo
  • Elenco: Letícia Braga, Fernanda Rodrigues, Emílio Orciollo Netto, Marjorie Queiroz, Cauã Martins, Alana Cabral, Pedro Miranda, Duda Matte, Giuseppe Oristanio
  • Duração: 100 minutos

Vivianne Jundi veio da televisão, dirigiu algumas muitas produções da Record (incluindo as excelentes Vidas em Jogo e Pecado Mortal) e ao menos um hit absoluto nos cinemas e logo na estreia, Detetives do Prédio Azul 2. Acaba de estrear na Netflix seu terceiro longa, Meninas não Choram, e eu não sabia o que esperar da produção. Ganhei um doce presente em formato de filme, que era uma produção concebida para os cinemas a ser distribuída pela Galeria, que repassou pelo menos dois títulos (esse e Partiu América, que estreia em duas semanas) e sinto que fará o mesmo com alguns outros. Em tempos onde as salas voltaram a encher com nossas produções, mas que nem tudo é garantido ainda – vide o fracasso de Apaixonada e Vidente por Acidente, entre outros – talvez isso seja a melhor solução para algo tão delicado como esse filme, que merece sim encontrar todo o público possível pelo mundo afora. 

Remake de um original holandês chamado aqui Jogo da Vida, Meninas não Choram acompanha a rotina da adolescente Pipa, que aos 16 anos tem como meta de vida ser a nova Marta, ou seja, tornar-se uma craque do futebol. Talento não lhe falta, nem amigos, e nem adversários, o mais direto deles sendo Heitor, um rapaz que a persegue na escola. Tudo literalmente muda quando a jovem é assolada por um diagnóstico de leucemia, o que faz com que seu mundo vire de cabeça pra baixo, obviamente. Eu sei, essa premissa consome as páginas de livros e telas de cinemas há pelo menos 10 anos – e se olharmos para trás, em 1970 Love Story venceu o Globo de Ouro e foi um dos favoritos ao Oscar desse ano. Mas o crítico que vos escreve, tão irritado com narrativas que se repetem insistentemente, se deixou levar pelo formato com o qual a produção é desenhada, de muitas maneiras. 

Existem alguns pontos de inflexão nessa produção, porém. Além do sensível olhar de Jundi para uma situação que é muito específica e nada cômica, mas que precisa alcançar um público relevante para ter seu discurso válido, exatamente como é proposto dentro da narrativa, ela sabe domar os detalhes íntimos de suas personagens, como no momento de maior comunhão entre mãe e filha, diante do espelho. O reflexo óbvio daquela novela de 2000 se faz presente, é uma cena marcante da teledramaturgia brasileira (e que não vou citar especificamente, mas vocês saberão qual é assim que assistir ao filme), não impede que Letícia Braga e Fernanda Rodrigues estejam hábeis na condução daquela emoção, que a diretora além de não frear, ainda mantém sua lente intacta de julgamentos emocionais. Essa é uma caraterística da condução aqui: se não há como esconder a emoção, ela também não será vampirizada pelas condições inerentes à obra. 

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Isso só é conseguido pela forma adulta e nada solene que o roteiro de Gabriel Amaral e Bryan Ruffo imprimem ao material. Existe algum didatismo na apropriação do discurso motivacional, mas o filme incorpora essa mecânica institucional de maneira muito limpa, sem possíveis rebarbas de comiseração ou vitimismo. Um aparte precisa ser feito quanto a um dos profissionais, no entanto. Não conheço o trabalho pregresso de Amaral, que está em sua estreia na função, mas Ruffo é uma das figuras mais interessantes e bissextas a surgir no cenário recente. Inicialmente ator, tem um currículo iniciado no Linha de Passe de Walter Salles e Daniela Thomas, passando pelo Trabalhar Cansa de Marco Dutra e Juliana Rojas, mas confesso que sua figura me saltou aos olhos em Ana e Vitória de Matheus Souza. De rosto marcante, fala precisa e um talento para a comunicação sem igual, Ruffo é um acontecimento ali; mesmo sem conhecermos, é fácil de associar aquela figura a quem ele seja na realidade. E está na gênese daquela figura incandescente da tela a base do humor que é aplicado em Meninas não Choram, absolutamente condizente com o que ele realizou por lá. 

Isso se conecta à entrega de Letícia Braga, uma jovem atriz descoberta em Detetives do Prédio Azul, série e filmes. Graças a compreensão de Braga da energia que sua Pipa apresenta, e do material fornecido por esse roteiro que, a ela, cai como um presente, Meninas não Choram vai muito além de um tradicional filme teen romântico rasgado por uma doença. Sua protagonista é solar e destemida, tem uma garra indestrutível e sua criação coletiva é mérito desses quatro artistas que entendem por completo qual seria o melhor tratamento para essa adolescente diante das adversidades e do futuro. Preciso mais uma vez realçar a forma indomável com que esse humor é inserido em seu trabalho, que é esse tanto de acerto que permite todo o realce que a atriz merece, e que tira qualquer peso indevido do que é apresentado. 

Não é pouco, levando em consideração que Meninas não Choram poderia ter uma pegada mais tradicional, com menos vigor e sedução. Seu elenco, seu roteiro e sua direção levam toda a sua proposta para um lugar carinhoso e muito cálido, do qual todos os envolvidos precisam se ater na proposta. O espectador não sai impune das sensações que o filme quer incutir de maneira bem honesta, sem pedantismo – enfim, não precisa ser muito para ser tanto. 

Um grande momento

‘De janeiro a janeiro’

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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1 Comentário
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Gabrielle
Gabrielle
03/05/2024 12:58

Obrigada por seu olhar sensível e perfeitamente conectado a proposta do filme! Tem uma mãe chorosa e agradecida aqui!

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