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Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1

(Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 1, GBR, EUA, 2010)

  • Gênero: Fantasia, Ação
  • Direção: David Yates
  • Roteiro: J.K. Rowling (romance), Steve Kloves
  • Elenco: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Bill Nighy, Richard Griffiths, Harry Melling, Fiona Shaw, Julie Walters, Bonnie Wright, Alan Rickman, Ralph Fiennes, Helena Bonham Carter, Helen McCrory, Jason Isaacs, Tom Felton, Timothy Spall, Peter Mullan, Michael Gambon, Robbie Coltrane, Brendan Gleeson, John Hurt, Imelda Staunton, Miranda Richardson
  • Duração: 146 minutos
  • Nota:

As Relíquias das Morte tornou Harry Potter irreconhecível. Seis filmes e nove anos depois, é simplesmente impossível encontrar aqui qualquer semelhança com o primeiro filme da série, A Pedra Filosofal, seja na doçura, na mágica, no colorido ou na aventura. Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 é nada menos do que um drama de ação cujo tom de seriedade e realismo o distancia até mesmo, por exemplo, da trilogia O Senhor dos Anéis, que, embora séria e sombria, era inequivocamente uma aventura calcada em um mundo mágico. Elemento do qual parecemos estar a anos-luz de distância, mesmo que a cada dois minutos flagremos uma criatura fabulesca ou fórmula mágica sendo entonada.

Esta diferença drástica, contudo, não assusta, já que ao longo dos lançamentos vimos gradualmente o universo de Potter perder sua cor, luz e alegria para dar lugar a brigas entre amigos que não ocorrem mais por mero ciúme, mas por puro temor. Por outro lado, é reconfortante perceber que nem toda a dor e o medo do mundo conseguem apagar a vivacidade e a força de algumas pessoas, como a doce Luna Lovegood, o leal (e calçado!) Dobby e o respeitável político de Billy Nighy, assim como o humor dos gêmeos ruivos e a otimista maternidade da Sra. Wesley, que fica agradecida por ver um amigo da família em segurança, apesar da falta de notícias sobre os próprios filhos.

Daniel Radcliffe em Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1

Porém, por mais formidável que seja a coleção de personagens da série Harry Potter, é mesmo sobre o trio principal que reside a maior virtude do longa. E é reconhecendo a importância emblemática de Harry, Hermione e Rony que o diretor David Yates apresenta os jovens se despedindo em uma melancólica e comovente sequência pré-créditos, que nos antecipa o destino incerto e pessimista dos garotos que vimos crescer (e com quem muitos cresceram junto). Um sentimento que é reforçado durante a breve montagem que mostra a viagem do trio – passando sempre por lugares frios e sem vida – enquanto ouvimos uma interminável lista de desaparecidos.

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E esta é a porta de entrada à jornada dos amigos, que logo no início da projeção nos joga em meio a uma perseguição intensa, de grande apuro técnico e que surge melhor do que aquelas vistas em muitos filmes de ação, além do interessante contraste de ver uma moto voadora ao lado de veículos trouxas.

E se Relíquias impressiona por não fazer concessões ao espectador mais jovem, seja mostrando um intenso beijo, seja mostrando as moscas que denunciam um corpo putrefato, isto revela apenas uma parte das acertadas escolhas de Yates, que ainda trabalha com uma trilha sonora sutil e triste para pontuar as cenas de ação – o que se revela, ao lado da fotografia constantemente escura, a melhor decisão do longa, já que intensifica a angústia e confere grandiosidade a esses encontros perigosos.

Daniel Radcliffe e Emma Watson em Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1

Os acertos e apuros técnicos, aliás, nunca estiveram tão presentes na série Harry Potter, principalmente no que diz respeito aos efeitos especiais, como aqueles usados na construção dos elfos doméstico ou em um furacão. Da mesma forma, Yates investe na inovação ao brindar o espectador com uma sequência de animação criada numa estética tão espetacular que deixaria Tim Burton de boca aberta.

Mas esta primeira parte de Relíquias da Morte também surpreende com o roteiro, que encontra espaço para pequenos momentos de humor que nos conectam ainda mais aos personagens. Daniel Radcliff, pela segunda vez, demonstra um brilhante equilíbrio cômico e dramático. Se em O Enigma do Príncipe ele arrancou risadas e lágrimas após tomar a poção mágica Felix Felicis, aqui ele encanta o espectador com uma divertida, tocante e belíssima cena com Hermione na cabana. E tais momentos, embora não aliviem a tensão e a melancolia, são fundamentais para a trama, já que uma das propriedades da série Harry Potter é justamente ser um conto sobre amor, amizade, esperança e sacrifícios – por menores que sejam.

Sentimentos que Lord Voldemort é incapaz de sentir e, para nossa surpresa, nem mesmo identificar. O que explica sua cegueira diante ao revelador olhar de Severo Snape, que parece não se preocupar em disfarçar seu horror pelo trabalho que executa. Ao seu lado, os Comensais da Morte surgem mais perigosos do que nunca, em especial Yaxley, que persegue os jovens bruxos no Ministério da Magia com uma ameaçadora determinação.
Voldemort, por sua vez, surge mais agressivo, falando aos berros e ironias com seus servos, algo com o qual não estamos acostumados e que acaba por enfraquecer o vilão. Sua frieza e autocontrole sempre foram marcas que, desde O Cálice de Fogo, o tornavam mais interessante nos filmes do que nos livros, graças ao trabalho impecável de Ralph Fiennes. Mas este não é o único equívoco da produção e nem tão grave quanto apresentar um Gerardo Grindewald mal caráter.

Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson em Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1

Mais sério, seco e feio do que esta verdadeira saga jamais sugeriu ser, Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1 é o mais real e maduro filme de todos – até agora. Realista porque se preocupa com os detalhes, como um corte de cabelo mal feito ou o estrunchamento que aponta para a inexperiência dos jovens bruxos, maduro porque aposta na personalidade dos personagens, como Harry, que não hesita em arriscar a si e a Hermione apenas para ter a chance conhecer seu primeiro lar mantendo sua própria identidade.

E estas pequenas decisões dramáticas são mais do que suficiente para nos levar ao ato final desta que talvez seja a maior e mais completa saga cinematográfica da nossa geração.

E que, já podemos antecipar, terá um desfecho épico.

Um Lindo Momento

Harry e Hermione dançam.

Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1

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Achilles de Leo

Escritor roteirista, contista e romancista, Achilles de Leo atua como redator publicitário hoje em uma famosa produtora de eventos, e se isto soa como não-realização profissional, é porque você ainda não ouviu um dos marcantes speechs de abertura escritos pelo rapaz. Critico artístico (cinema, teatro, literatura, música, ensaio erótico) e virginiano traidor (ele flerta com Leão e Libra), Achilles é solteiro, infiel e está começando a malhar o corpo para ficar com o título de galã do Cenas de Cinema.
15 Comentários
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Juliano Gadelha
Juliano Gadelha
12/12/2010 00:14

Tenho de discordar, pois não gostei da cena da dança. O filme é bom, mas paga o preço de erros cometidos por Yates nos anteriores.

Aline Carvalho
Aline Carvalho
03/12/2010 01:54
Responder para  Wally

@Wally, uma das melhores e mais consistentes críticas que li sobre “Harry Potter e as Relíquias da Morte” até agora. Como fã da série (livros [primeiramente] e filmes) não concordo com todas as adaptações cinematográficas, mas o que temos lido até então são críticas cheias de veneno e sem embasamento na literatura ou mesmo nos filmes anteriores. Acrescento que os dois longas anteriores, ‘Ordem da Fênix’ e ‘Enigma do Príncipe’, foram decepcionantes, mas Yates superou qualquer expectativa na primeira parte de ‘Relíquias da Morte’. Espero apenas que o Voldemort dos 3 últimos longas retorne frio, sombrio e controlado.

Wally
Wally
21/11/2010 15:36

“Um Lindo Momento: Harry e Hermione dançam.” Não poderia concordar mais. Alias, foi um belo filme com um arco dramático surpreendentemente coeso por representar a metade de um livro.

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