Crítica | Festival

Terror Mandelão

Bruxos contemporâneos

(Terror Mandelão, BRA, 2024)
Nota  
  • Gênero: Documentário
  • Direção: Felipe Larozza, GG Albuquerque
  • Roteiro: Daniel Lupo, Felipe Larozza, GG Albuquerque, Patrícia Heit, Victor Ciappina
  • Elenco: DJ K, MC Zero K, DJ Vilão DS, Bruninho JS, Michel O Puro, Matheus (Theus)
  • Duração: 75 minutos

O DJ K não tá mais produzindo… tá fazendo bruxaria!’

Para um leigo como eu, expressões/ritmos derivados do funk, como o mandelão e a bruxaria só podem ser identificados indo até o Google procurar o seu significado. Isso não é um problema para Terror Mandelão, filme que invadiu a Olhos Livres da Mostra Tiradentes rasgando absolutamente tudo. Praticamente uma biografia documental, o filme carrega o espectador para dentro de um ambiente de estética explosiva, que não apenas se mostram conectadas com o gênero musical, como também provocam um estranho fascínio aos olhos. Rapidamente identificamos tudo que há de cinematográfico em cena, mesmo que a produção queira aparentar uma lapidação de um espaço underground, mas que está muito mais conectado ao tradicional do que gostaria de supor. 

Felipe Larozza e GG Albuquerque estreiam no cinema testando linguagens e possibilidades de cinema em um filme que parece não parar quieto, e tem o espírito do que filma. Essa talvez seja a maior virtude de Terror Mandelão, assumir imageticamente uma estrutura que remeta diretamente ao que está sendo contado, seu ritmo, suas subdivisões e seus personagens. Ele absorve as influências apresentadas pela geografia de onde conta e dos tipos que encontra, para construir um plano de imagens condizente com tudo o que é visto. Nesse sentido, a pesquisa que fiz poderia soar supérflua e desnecessária, porque a gênese das ideias é facilmente identificável no recorte que os diretores estreantes apresentam. 

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Quando cito uma espécie de conforto em sua formatação, ela talvez seja necessária também, a julgar pelo tanto de ruptura que o filme tenta colocar em cena, onde o julgamento não é uma responsabilidade da produção. Terror Mandelão tem atos bem definidos – apresentação de personagens, apresentação do espaço cênico, apresentação de sua rotina – mas o conflito, que é muito o cerne de uma fatia do cinema brasileiro e uma questão social premente, demora a se desenvolver. Além disso, parece apressado que seu protagonista igualmente não esteja disposto a apresentar o próprio contraponto. Que DJ K seja assustadoramente jovem e que amadureça um bocado na condução da narrativa, é outra questão que o filme implicitamente resolve. 

O que não é resolvido é esse entorno, apresentado com muita sutileza, e que justamente nesse sentido acaba por apresentar ao espectador as oportunidades com a qual sua fruição cresceria. Ainda que tenha sido deliberada a vontade de não apresentar o que traria uma questão ainda mais formalista para a produção, o roteiro de Terror Mandelão abdica de encontrar as curvas que seu protagonista poderia apresentar; tudo está longe demais do alcance do interesse. Nessa situação, o filme parece querer muito mais a liberdade de procurar apenas a apresentação de suas desventuras do que criar uma zona de discussão acerca da precariedade do trabalho ou de suas consequências, limitadas a (temos que apontar, brilhantes) conversas de whatsapp. 

Talvez o crítico que aqui escreve tenha se sentido tão envolvido com aquela narrativa, que queria explorar mais situações envolvendo o protagonista e sua trupe? Provavelmente. Terror Mandelão não fetichiza o que não conhece, nem transforma em espetáculo uma realidade menos abastada. Não paternaliza seu protagonista, muito menos o trata como um incapaz; K é um ser humano em construção, de amadurecimento gradual, mas que mostra uma preocupação muito conectada a sua realidade, com jovens que muito cedo precisam tomar as rédeas de suas necessidades. O barato desse mergulho proposto pelo filme é perceber que nada daquilo é uma satisfação dada ao espectador, e sim ao mote social na qual o protagonista está inserido. Ele precisa vencer, só existe essa alternativa. 

O saldo positivo é real, mas o quanto que deve ter sido enxugado na montagem final mostra qual era a intenção dos diretores de Terror Mandelão – nos colocar na pele do artista. O agente social fica um pouco a escanteio, junto com os personagens coadjuvantes ao seu lado, que traçam um painel sobre um gênero ainda maldito. Que os personagens no geral abracem exatamente essa maldição, e Albuquerque e Larozza saquem a exuberância de sons e cores por trás da produção, é um ganho sem dúvida. O trabalho de Daniel Lupo na fotografia é impressionante, e nem existe uma forma de definir a banda sonora do filme; nasce candidata a prêmios, e merecedora de troféus. O pacote é todo muito impressionante para que suas ausências pendam a produção para um lado indesejado. 

Um grande momento

A explicação de K sobre o passo a passo de um funk

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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