Crítica | Festival

O Mal Não Existe

Símbolos das montanhas

(悪は存在しない, JAP, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Ryusuke Hamaguchi
  • Roteiro: Ryusuke Hamaguchi
  • Elenco: Hitoshi Omika, Ryo Nishikawa, Ryuji Kosaka, Ayaka Shibutani, Hazuki Kikuchi, Hiroyuki Miura
  • Duração: 105 minutos

A sequência foi Asako I e II, Roda do Destino e Drive my Car. Quantos cineastas nós conhecemos que entregaram essa categoria de filmes um atrás do outro, e em espaço de cinccrescendo que restitui o que acontece com uma comunidade isolada ao ser visitada pelo futuro. o anos entre eles? Ryusuke Hamaguchi não apenas é o momento, mas também já se tornou muito rapidamente alguém referendado e já possuidor de fã clubes entre os cinéfilos no mundo. A qualidade dos filmes justificam essa adoração atual, e não será com O Mal Não Existe que essa relação irá medir, e talvez até estejamos diante de uma produção capaz de aumentar isso. Vencedor do Grande Prêmio do Júri do último Festival de Veneza, o filme é um acerto tanto para a filmografia de seu diretor, quanto para o que nos acostumamos ser entregue por ele; seus símbolos são ainda mais áridos, e suas soluções precisam de um pouco mais de tempo para serem formatadas.

Os três filmes citados tem caimentos diferentes, embora estejam aportados na excelência. Mais uma ideia de desenvolvimento singular dentro do que esperamos vindo dele (e que não deveria existir, vide suas diferenças), O Mal Não Existe poderia ser chamado de um suspense dramático ecológico, mas não o faremos. Existiria um certo cinismo ao declarar isso, e Hamaguchi é suficientemente humano para apresentar tal atrevimento. No lugar de uma colocação que depusesse contra essa forte presença humanista, o autor apresenta uma cartografia de luta para o qual o Estado não se dobra com facilidade. A ideia aqui é explorar a geografia local para usá-la de maneira visual no convencimento sem panfleto a respeito das qualidades de análise que o filme permite. 

Assim como em seus longas anteriores, tudo que está em cena é retornado à memória do espectador para encontrar verdades mais sinuosas do que aparentemente está disposto. Nada é uma verdade absoluta de análise, e a subjetividade, que é natural ao que o Cinema propõe, com Hamaguchi atinge um ponto outro, pois não lida com essa disposição apenas ao simbólico, mas estritamente muitas vezes está sendo proposto ao concreto. Em O Mal Não Existe, é um microcosmos que será atingido por uma sanha de futuro que se mostra desnecessária aos olhos de quem vê o que se expande progressivamente; o quadro que aumenta de escopo na nossa frente, está ganhando novas afirmações desde que o diretor surgiu e se predispôs a reestruturar essas aparentes miudezas sociais. 

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Se em seus longas mais recentes existia um deslocamento entre o que era mais caloroso e personagens que poderiam estar aprisionados em processos de redescoberta, em O Mal Não Existe a vida em sociedade é mostrada da maneira mais trivial possível. Até que outra trivialidade quebre aquela estrutura bem costurada, em cena estão as particularidades de um olhar muito específico dentro da sua moldura. Com o tempo dilatado já habitual do diretor, somos aprofundados (sem aviso prévio) ao que é sua motivação: a chegada do tal Mal, que é muito mais traiçoeiro de suas incursões do que estaria estabelecido em um filme de gênero tradicional. Talvez por isso então sua presença seja mais perigosa, porque trata-se de uma força com a qual estamos acostumados a lidar, que a Natureza identifica muito mais predatória do que o Homem. 

Mais do que em seus longas anteriores, O Mal Não Existe é propenso a uma leveza e até alguma comédia mais nervosa, coisa que tinha dado as caras também em seu filme de episódios. Aqui, no entanto, o fato de trabalhar com uma premissa bastante séria e até comprometida socialmente, mostra que essas ligeiras saídas para o humor equilibram a situação como um todo, onde acabamos por ver o lado menos horrível de coisas horríveis de verdade. Como as cenas envolvendo a contínua humilhação pelo qual passam os profissionais que precisam apresentar o projeto de gentrificação de um ambiente bucólico na cidadezinha palco do filme. Rebaixados pelo contingente local a princípio, e depois pelos chefes, temos aqui uma dupla que não consegue sair da roda viva do desespero, e onde ambos acabam descobrindo, de maneiras diferentes, como estão do lado errado, e podem mudar o status coletivo. 

Após esse aceno à uma comicidade do constrangimento, Hamaguchi retoma as imagens que teria criado para abertura para nos recordar que, como o título diz, a aparência perversa não está em um lugar, em alguém ou em alguma atitude. É um conjunto de fatores que promove o surgimento do pior possível, seja humano, animal ou natural. O Mal Não Existe, mas as consequências de certas atitudes não poderiam liberar uma energia outra que não a da essência do ser. E num arroubo que contempla, ao mesmo tempo, sua ideia de cinema de gênero e também suas porções de fábula, o autor japonês mais prestigiado da atualidade nos entrega uma obra singela que foge de uma ideia de denúncia coletiva, para mostrar que são feitos de acaso, mais uma vez, o que constitui as pequeninas tragédias de cada dia. 

[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Um grande momento

A reunião coletiva

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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