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Dente Canino

(Kyndontas, GRE, 2009)

33ª Mostra Internacional de CinemaDificilmente alguém encontra o que esperava no filme Dente Canino. De cara, ainda sem saber o que restará disso, o espectador é apresentado a um jogo de subversão do significado das palavras. Com exemplos, “mar”, “tempestade” e “espingarda” viram peças do mobiliário ou afins. Nessa mesma cena apresentam-se os protagonistas, três adultos que se comportam como crianças, com jogos e disputas.

Não demora para que se entenda que aquelas pessoas vivem em um mundo isolado, criado e mantido dia a dia pelos pais. Eles nunca saíram da casa, que está cercada por um muro alto, e pouco conhecem do mundo exterior. A única relação que têm com o outro lado é quando recebem a visita de Christina, uma segurança da fábrica onde o pai trabalha, contratada para satisfazer os desejos sexuais do filho mais velho.

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Criado em um país à beira da falência que, depois da abertura para entrada no mercado da União Europeia, não vê muitas maneiras de solucionar sua dívida, Dente Canino é uma analogia interessante à tudo que se passa na Grécia. A falta de noção da realidade que esteve presente no momento em que os gastos descontrolados com serviço público e outros aumentaram sem preocupações, gerando a principal dívida; uma pátria madura que se comporta como uma criança ingênua; a confiança cega na ajuda exterior que acabou sendo ainda mais dura, e o desespero dos que criaram aquilo tudo para resolver um problema praticamente sem solução. Tudo isso está ali no filme.

Essa transferência de uma realidade macro para o micro universo daquela família funciona muito bem graças ao roteiro apurado e preciso. Desde a criação do universo hermético, onde a televisão é substituída por vídeos feitos pelo pai, músicas são traduzidas para dizer o que ele quer que seja dito e muitas ameaças são feitas diariamente; passando pela relação confusa entre os irmãos, que obedecem cegamente às regras e vivem em constante disputa por poder; e chegando até a intromissão do exterior que começa a ruir toda a estrutura criada ao apresentar uma nova realidade e leva ao caos. Por mais que o conteúdo seja inverossímil, tudo está tão bem colocado em seu devido lugar que o geral se torna estranhamente plausível.

Neste universo louco, algumas passagens se destacam. A conversa de Christina sobre seu sonho e a constatação de como seria o sonho de alguém com uma realidade limitada; a loucura na qual a filha mais velha embarca depois de conhecer clássicos do cinema pop americano; a descoberta de zumbis no jardim; a preparação do pai depois do episódio do gato e a explicação do título do filme.

Tecnicamente, o filme é de uma criatividade e ousadia interessantes e coloca Yorgos Lanthimos naquele patamar de nomes que merecem ser acompanhados de perto. Tanto pela estética, que conta com a ajuda de Thimios Bakatakis na direção de fotografia e de Elli Papageorgakopoulou na direção de arte, quanto pela condução dos atores, todos excelentes, mas com destaque para a participação de Aggeliki Papoulia como a filha mais velha.

Inovações cinematográficas e as loucuras do roteiro vão acontecendo até o final do filme, que consegue ser mais chocante do que todas as outras cenas chocantes que vimos durante está uma hora e meia de filme. Chega como uma pancada daquelas e causa todo o desconforto que gostaria de causar.

Um Grande Momento

Esperando abrir.

Links
IMDb Site Oficial [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=sLk6wysJBM4[/youtube]

Drama
Direção: Yorgos Lanthimos
Elenco: Christos Stergioglou, Michele Valley, Aggeliki Papoulia, Hristos Passalis, Mary Tsoni, Anna Kalaitzidou
Roteiro: Yorgos Lanthimos, Efthymis Filippou
Duração: 94 min.
Minha nota: 8/10

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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