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Ursinho Pooh: Sangue e Mel

Muito além do ursinho

(Winnie-the-Pooh: Blood and Honey, GBR, 2023)
Nota  
  • Gênero: Terror
  • Direção: Rhys Frake-Waterfield
  • Roteiro: Rhys Frake-Waterfield
  • Elenco: Nikolai Leon, Maria Taylor, Natasha Rose Mills, Amber Doig-Thorne, Danielle Ronald, Natasha Tosini, Paula Coiz, May Kelly
  • Duração: 84 minutos

Entre uma ideia interessante e um bom filme existe um abismo bem profundo e, por vezes, não existe ponte no mundo que possa ser construída para chegar do outro lado. Olhando melhor, com mais sobriedade, talvez a ideia nem fosse tão interessante assim. Esse é o sentimento quando se chega ao fim de Ursinho Pooh: Sangue e Mel, bobagem que transforma o personagem fofinho dos contos infantis A. A. Milne e dos desenhos da Disney em um sanguinário serial killer da floresta dos 100 Acres.

Mas é fácil cair na pegadinha. O prólogo animado que narra o surgimento da turma e sua conexão com Christopher Robin, aquele que os alimentou durante sua infância, e depois foi o responsável por despertar sua fúria contra a humanidade já que os abandonou à própria sorte é atraente. Em primeiro lugar, está lidando com um material que tem apelo pela familiaridade e pela deturpação de uma figura já estabelecida no imaginário popular, em segundo pela forma sombria como se aproxima desse universo em um fundo escuro, com traços simples, sem cores vivas.

Findada essa parte, Ursinho Pooh: Sangue e Mel cai no mais banal e preguiçoso do horror splatter, do enredo mal desenvolvido à direção que se aproveita dos mais elementares dispositivos para tentar despertar algum tipo de sensação sem sucesso. O vilão, acompanhado de Leitão, única criatura do bando que sobrevive a seu lado, não tem qualquer elemento de que o conecte àquilo que o filme indicava da proposta original nem estética e muito menos conceitualmente, embora ainda busque isso com alguns flashbacks vergonhosos e falas perdidas no roteiro escrito pelo próprio diretor, Rhys Frake-Waterfield.

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E é difícil entender algumas escolhas feitas para contar essa história. A começar pelo modo como se constrói a narrativa da vingança e a perde pelo fetiche de trazer uma quantidade significativa de mulheres à trama. Depois, porque, mesmo tanto se falando e após o tempo ter passado, se opta por fazer um filme tão abertamente misógino. Não há nenhuma justificativa para que a primeira vítima do filme, por exemplo, tenha sua roupa arrancada.

Porém, esse é apenas o começo de algo muito maior. E que digam aqui que essa é uma crítica biscoiteira, algo de que não podem acusar essa que a escreve, até pelo apreço ao gênero cinematográfico, conhecimente problemático nessa questão, mas se quiserem, que o façam. Aqui, as criaturas foram abandonada por um menino em uma floresta e o odeia, não têm qualquer motivo para transferir esse ódio às mulheres, mas Frake-Waterfield acha coerente incluir uma personagem que foi mantida em cativeiro durante anos apenas para ser espancada sistematicamente.

Essa é apenas uma das incoerências que demonstram a nocividade de Sangue e Mel. Entre a desculpa da aproximação com um horror dos anos 1980 e a inconveniente vontade de voltar a um passado de fetiche gratuito e voyeurismo que se vê superado – porque as leituras são esvaziadas a cada nova situação –, o longa é um acinte. Sim, existe uma cena divertida, quando consegue encontrar o humor no confronto com a gangue que vai proteger as meninas, mas também nesse momento as figuras femininas estão dentro de um estigma e apenas confirmam o que se compreendeu da visão do diretor até aqui.

E o arremate do filme, que contraria um símbolo, é perfeito para o projeto. Porque em Ursinho Pooh: Sangue e Mel, a coisa não é apenas estrutural. É de propaganda, de intenção. É machismo mesmo. Misoginia pura, em seus estado mais terrível e desprezível.

Um grande momento
O prólogo

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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