Crítica | Outras metragens

O Cavalo de Pedro

Um cinema que dá vontade

(O Cavalo de Pedro , BRA, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama, Comédia
  • Direção: Daniel Nolasco
  • Roteiro: Daniel Nolasco
  • Elenco: Guilherme Theo, Harry Lins, Conrado Helt, Renata Carvalho, Alexandre Mitre, Daniel Manhães, Geovaldo Souza
  • Duração: 24 minutos

Conhecer um autor é um exercício que pode resultar em benefício, se soubermos medir o resultado das leituras. Daniel Nolasco já possui curtas e longas na carreira, alguns bastante e merecidamente premiados como Vento Seco, e tal leitura de cinematografia anterior, aumenta nosso manancial para um encontro seguinte. Seu filme novo chama O Cavalo de Pedro, e ele mostra uma radicalização do humor do cineasta, que esteve presente em obras anteriores, mas aqui eleva o comprometimento do material com o espectador, e realça a linguagem utilizada. Não temos apenas em cena um falso documentário, mas um amálgama de metalinguagem e disrupção narrativa que potencializa um jogo cheio de novas organizações.

O Pedro em questão é o tal do Dom I, aquele que viria a se tornar imperador da nossa humilde residência chamada Brasil. Mas não se trata, como já anunciado no parágrafo anterior, do jogo esperado por uma narrativa tradicional; é Daniel Nolasco, lembram? Então o tal moço poderoso português está em cena como também poderia estar qualquer outro Pedro de qualquer outro tempo, em comunicação com uma linguagem que traduz as molas possíveis do cinema e se abre para novas perspectivas. O Cavalo de Pedro é, acima das múltiplas camadas que o compõem, um exercício de subversão narrativa constante. Com tanta informação amarrada ao público de maneira incansável, é necessário algumas muitas sessões para sorver a totalidade do que está em jogo.

Então a ideia parte da desconstrução, da linguagem, da origem, da identidade, e da necessidade de ver contempladas novas visões ao que já comumente se estabeleceu como norma. E qual a graça de seguir cegamente uma visão, sem questionar ou apresentar novas contextualizações? Seria leviano impor a Nolasco algum reducionismo, que implique sua obra a somente uma elaboração. O Cavalo de Pedro, ainda mais do que seus trabalhos anteriores, quer ir além do que sua persona oferece como expectativa; um olhar que vai além do que convencionou-se atribuir a ele. Sem assumir concessões, o cineasta olha para seu trabalho e entrega uma releitura do que é esperado, mantendo sua assinatura e também a reescrevendo para o futuro do que é coletivo em si, sem deixar de ser particular.

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A História não o interessa, e sim a criação de um novo modelo de história, que possa provocar esteticamente um debate sobre o que pode ser provocado, para quem ainda não chegou. Quem disse que precisamos outorgar regras a eventos que datam de 200 anos atrás? Quem disse que não pudemos chacoalhar uma arte popularizada há 100 anos? O prazer de assistir a O Cavalo de Pedro está não apenas no tesão óbvio que se sente ao presenciar o belo, mas em estar disposto a encontrar o que não vemos todos os dias no telão, embora esteja na nossa vida todos os dias. O cinema remontado e reinterpretado, um novo discurso que pode matar (literalmente) o anterior e continuar assim dando validade ao velho; não há porque ter medo. Nem de quebra da quarta parede, nem de corromper títulos históricos, muito menos de um boquete bem dado.

Existe sim um mal à salada de reinterpretações perpetrada por Nolasco. Ela demarca um novo amanhã para seu cinema, colocando o sarrafo bem alto. O Cavalo de Pedro é como a caixa de Pandora, aquela que após aberta, mudou tudo ao seu redor e não pode mais ser fechada. Com a (muito!) engraçada visão sobre o que o Cinema e a História podem ou não podem, sua verve de estilo e a fotografia espetacular que emprega ao que vemos, não existe mais uma forma de voltar atrás. E querem apostar quanto que, só pra contrariar, Nolasco virá a seguir com algo singelo e “sossegado”? Esse é o problema principal em conhecer um autor, achar que se sabe qual será o seu próximo passo. Pra isso existe Daniel Nolasco, pra rir da nossa cara e dizer que podem relaxar; ele sempre virá a seguir com algo novo. Ainda que seja a ressignificação do velho. 

Um grande momento

A cobrança do narrador

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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