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As Mil e Uma Noites: Volume 1 – O Inquieto

(As Mil e Uma Noites: Volume 1, O Inquieto, POR/FRA/ALE/CHE, 2015)

Comédia
Direção: Miguel Gomes
Elenco: Miguel Gomes, Carloto Cotta, Crista Alfaiate, Adriano Luz, Basirou Diallo, Américo Silva, Maria Rueff, Dinarte Branco
Roteiro: Miguel Gomes, Telmo Churro, Mariana Ricardo
Duração: 125 min.
Nota: 9 ★★★★★★★★★☆

Assim como o seu país, ao começar o filme Miguel Gomes está em crise. A ideia era fazer um filme bonito e alegre, mas ao mesmo tempo militante e que expusesse a situação de Portugal, mas o contrasenso dos desejos atordoa o diretor. Como fazer um filme belo com a miserável situação do país? Ele, então, resolve fugir, mas é capturado pela equipe e, para se salvar da punição resolve fazer como a Xerazade do livro As Mil e uma Noites.

A contradição da ideia está presente desde o primeiro momento de As Mil e Um Noites: Volume 1 – O Inquieto, onde a divertida fuga e busca dividem espaço com o fechamento do porto e a demissão de várias pessoas, que contam suas histórias e lembranças do local, e se despedem do lugar onde passaram grande parte do seu tempo de vida.

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Assim como no livro, que inspira a estrutura do filme, as histórias são divididas em capítulos nos três volumes dirigidos por Miguel Gomes, e são contadas ao espectador como se ele as ouvisse de Xerazade. Sempre experimentando modos narrativos, como já tinha demonstrado gostar de fazer em Tabu, o diretor constrói um universo fantasioso sem deixar de lado a denúncia que queria fazer.

No primeiro capítulo, conhecemos a fonte de inspiração de nossa narradora e três histórias: O Homem de Pau Feito, A História do Galo e do Fogo e O Banho dos Magníficos.

Em O Homem de Pau Feito, acompanhamos um almoço de negócios que envolve representantes do governo e do banco internacional. A discussão é sobre a recessão de Portugal, o não pagamento da dívida e a necessidade de um novo empréstimo. Na mesa, poucos se entendem, por diferenças de língua e de posicionamento. Nem mesmo a debochada presença do intérprete brasileiro é capaz de amenizar a situação. Mas na saída algo acontece e uma solução para um problema além da mesa acaba mudando as resoluções.

Mais escrachado que os seus companheiros de volume, O Homem de Pau Feito é divertido, leve e consegue se desenvolver em sua brincadeira.

Em A História do Galo e do Fogo, uma moradora recebe uma intimação dizendo que uma pessoa da vizinhança entrou na justiça contra ela por causa de um galo que ela tem em seu quintal. Com uma história um pouco arrastada até que se chegue ao clímax, conhecemos a região, os problemas que a cercam e o galo. No mesmo capítulo conhecemos também a maldição do lugar e uma história inusitada de amor, toda representada por crianças em papéis de adultos.

Gomes faz questão de trazer a realidade, mas sempre dando um jeito de fantasiá-la, transformando em fábula aquilo que não é tão bonito assim. Em A História do Galo e do Fogo, ele se perde um pouco no ritmo da história, mas consegue recuperar o fôlego com o depoimento.

O último capítulo é o mais tocante de todos: O Banho dos Magníficos. Nele vemos a luta de um professor de natação para conseguir patrocínio para realizar o evento na praia que tem o nome do conto. Pessoas que não têm mais com o que contar, transformam o banho em um acontecimento único.

A ameaça de chuva no dia programado e a falta de dinheiro perturbam o professor, que tem sonhos cada vez mais terríveis. Junto com a história, Miguel Gomes insere alguns magníficos que querem se inscrever para o evento. As histórias contadas por cada um deles são tristes e o diretor consegue traduzir, em três depoimentos, como estava a moral da população portuguesa naquele momento.

Em um mesmo volume, Gomes consegue mesclar gêneros e brincar com a maneira de contar histórias. Lá estão o documentário, a comédia, o suspense e o drama; atores profissionais e atores não profissionais; entrevistas e dramatização; passado, presente e futuro. Tudo muito à vontade já que não existe um linha narrativa rígida a ser seguida, pela estrutura escolhida.

As Mil e Uma Noites: Volume 1 – O Inquieto é um filme diferente, que consegue tocar o espectador de uma maneira muito interessante, fazendo com que ele experimente, em uma única sessão, sentimentos completamente antagônicos.

Sem dúvida, vale a pena conhecer.

Um Grande Momento:
O julgamento.

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Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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