Crítica | Festival

Fechar os Olhos

Em busca da memória

(Cerrar los ojos, ESP, ARG, 2023)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Víctor Erice
  • Roteiro: Víctor Erice, Michel Gaztambide
  • Elenco: Manolo Solo, Jose Coronado, Ana Torrent, Petra Martínez, María León, Mario Pardo, Helena Miquel, Antonio Dechent, Josep Maria Pou, Soledad Villamil
  • Duração: 169 minutos

O que fica daquilo que se viveu. O que fica daquilo que se viu. O quanto de vida está no que foi visto. O quanto do que foi visto se transformou em vida. Fechar os Olhos, novo filme de Victor Erice depois de mais de 10 anos longe da direção, constrói um intrincado caminho de busca e resgate para falar de envelhecimento e memória, unindo o tempo e a vida em uma aproximação apaixonada ao cinema e a si mesmo. São quinquilharias encontradas pelo caminho e amizades — algumas antigas, outras não tanto assim — que vão lapidando a estrada para que o passado se aproxime novamente.

Quem segue nesse caminho é o diretor Miguel Garay e o ponto de partida, seu filme abandonado após o desaparecimento do ator e amigo Julio Arenas durante as filmagens. Rever as cenas de sua película em um programa de TV leva o diretor, que agora decidiu se isolar na praia, a outros lugares que ele talvez nem quisesse revisitar, mas a partir daquele momento tornam-se inevitáveis. Esse jogo de reavivar a memória, em especial pelas imagens, de filmes, de fotos, de caricaturas, se repete por toda a duração do longa e assim as histórias de Garay e de Arenas vão se revelando.

Alcançando o passar do tempo e o envelhecimento, a contraposição entre recordação e ausência é dolorida. A ressignificação de símbolos, agora com efeitos tão diversos, como souvenires sem função alguma, frustra quem ainda se lembra. No incômodo e na vontade de transformar aquele quadro, novas lembranças se formam, mas não para todos. A habilidade no lapidar dessas tantas camadas, no filme dentro do filme, encontros e memórias é fantástica.

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Sem falar no jogo que transcende a trama e faz parte do que está intrínseco na concepção, memórias anteriores à criação. Se muito do próprio Erice está ali presente, inclusive com citações diretas nesse jogo de resgate do passado, com o cinema igual. Fechar os Olhos mostra a sétima arte como um dos grandes catalisadores das lembranças, como aquilo que pode até recobrar esse senso de existência. Isso está na relação com o espaço físico, com a experiência em si, mas está também na cinefilia, em momentos como a canção de Rio Bravo ou o folioscópio com A Chegada do Trem na Estação, entre tantos outros.

Ao pensar em forma, o diretor é tradicional na maneira de contar a sua história, demarcando bem seus atos e assumindo uma estrutura clássica, que dá tempo ao espectador para acompanhar os personagens e perceber o tempo de cada um deles. O roteiro, do próprio Erice e de Michel Gaztambide, é habilidoso no tratar de tantas idas e vindas e das questões complexas que se misturam e sobrepõem, ainda encontrando espaço para manter algum clima de suspense na primeira parte do filme, trabalhar bem o humor e emocionar.

Fechar os Olhos tem muito de sua força nas atuações de Manolo Solo como o diretor Garay em seu encontro com as próprias memórias e na busca por Arenas, também lindamente interpretado por Jose Coronado. Voltando, com seu olhar assustado, ainda está ali Ana Torrent, numa participação que deixa qualquer um com o coração na mão.

Ao tratar de tantas questões e olhar com segurança para tantos lados diferentes, o literal fechar os olhos após a projeção traz muitas coisas para quem acabou de assistir ao filme. Coisas que já estavam ali e outras que, a partir daquele momento, ficarão para sempre.

Um grande momento
Sou Ana

[47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Cecilia Barroso

Cecilia Barroso é jornalista cultural e crítica de cinema. Mãe do Digo e da Dani, essa tricolor das Laranjeiras convive desde muito cedo com a sétima arte, e tem influências, familiares ou não, dos mais diversos gêneros e escolas. É votante internacional do Globo de Ouro e faz parte da Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema, Critics Choice Association, OFCS – Online Film Critics Society e das Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.
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